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Desabafo [de uma segunda-feira]

Por João Emanuel Carneiro/Veja.com

Desculpem-me, mas não dá pra fazer uma cronicazinha divertida hoje. Simplesmente não dá. Não tem como disfarçar: esta é uma típica manhã de segunda-feira. A começar pela luz acesa da sala que esqueci ontem à noite. Seis recados para ser respondidos na secretária eletrônica. Recados chatos. Contas para pagar que venceram ontem. Estou nervoso. Estou zangado. 

É preciso denunciar os crimes que a vida moderna comete contra a criatura humana. Lembrei-me de uma crônica dos anos 60 do Paulo Mendes Campos, "Coisas abomináveis". Ele lista as violências cometidas contra o pobre bicho-homem, da vacina antivariólica à "moça que não sabe que mulher só pode falar um palavrão por semana". Mas é preciso atualizar a lista das coisas abomináveis. Aqui vai meu grito de guerra. 

Os reality shows. Ficar ouvindo conversa de gente que comenta os reality shows. Ir a um restaurante e sentar à mesa ao lado de seres que participaram de reality shows. Chegar em casa e reparar que só tem um recado na secretária eletrônica no domingo. O recado é de alguém querendo vender plano de saúde. Fila pra pagar estacionamento em shopping center. Shopping center. Praça de alimentação em shopping center. Boleta bancária. Carnê do IPVA e do IPTU. Gente que fura a fila. Engarrafamento em São Paulo. Engarrafamento naquelas ruazinhas de Botafogo. Motorista que enfia o carro na sua frente. Motorista que rouba a sua vaga. Motorista que rouba a sua vaga, você xinga e depois reconhece: é o seu psicanalista. Aliás, motoristas em geral. Aliás, carros em geral. Estacionar perto do Municipal e ser imediatamente abordado por um guardador de carro que já vai falando "é vinte". Ligar pra companhia aérea pra fazer uma reserva e ficar vinte minutos ouvindo uma musiquinha. Preencher formulário do imposto de renda. Fila de repartição pública. Funcionário que repete que o expediente acabou e que é pra voltar no dia seguinte. Gerente de banco que quando você pergunta se o dólar vai subir ele responde que "pode baixar, subir ou continuar no mesmo patamar". Acampar em Mauá com chuva. Gente que fuma o último cigarro de seu maço. Gente que tira o cigarro aceso de sua mão. Amigo que vive pedindo cigarro. Descobrir que a sua caixinha de correio está cheia de cartas do tipo "Parabéns! Você tirou a sorte grande! Foi sorteado e acaba de ganhar um desconto único de 10% na compra à vista..." de um carro que custa mais que um apartamento. Ligar o computador e ficar uma hora na internet pra pegar as mensagens de campanha eleitoral dos candidatos mais estapafúrdios. Sair pra fazer compras no supermercado e dar de cara com a ex-mulher, o ex-marido, o ex-amigo ou o ex-qualquer coisa. Esquecer o celular no bar. Perder a carteira. Perder a chave de casa. Ir ao dentista. Conta de dentista. Jornal largando tinta. Meia molhada. 

Chega! Na próxima crônica, prometo escrever sobre as coisas maravilhosas da vida no planeta. E obrigado por ouvirem o meu desabafo.

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