Em A República, um de seus diálogos mais famosos, Platão narra uma acalorada discussão entre Sócrates e Trasímaco a respeito da justiça. Contrariando a visão socrática, o sofista afirma ser esta [a justiça] nada mais que simplesmente a representação do interesse do mais forte, ou seja, do governante, ou do governo. “E, como devemos supor que o governo é quem tem o poder, a única conclusão razoável é que em toda parte só existe um princípio de justiça: o interesse do mais forte”.
Deste prisma, Trasímaco discorre sobre as vantagens do injusto, ou da injustiça, sobre o justo (ou a justiça). Segundo ele, os injustos levam vantagens em detrimento dos justos. Os injustos são inteligentes e bons, enquanto os justos o contrário. Enfim, Trasímaco acredita piamente que a injustiça é mais vantajosa que a própria justiça.
Alguém por acaso reconhece alguma semelhança entre esta visão grega e a nossa sociedade atual? Pois é, as palavras ditas pelo personagem do diálogo platônico escrito há cerca de 300 anos antes de Cristo são tão reais que tenho a impressão que estas ideias foram formuladas no presente século. Uma sociedade na qual os “fracos”, honestos e justos são suplantados pelos interesses dos poderosos. Onde os abutres são exaltados, enquanto os justos são massacrados e postos perante a opinião pública como algozes. Onde nossa jovem e imatura democracia, reconquistada por meio da Constituição, nossa Carta Magna, é rebaixada, apequenada e, muitas vezes, jogada no lixo a fim de que prevaleçam os interesses dos poderosos.
Marina teve sua Rede rejeitada pelo TSE |
A resposta negativa à validação da Rede Sustentabilidade, partido pelo qual a ex-ministra e ex-senadora da República, Marina Silva, concorreria à presidência no próximo ano, dada pelo Tribunal Superior Eleitoral há uma semana, representou um claro aviltamento da democracia. Uma preponderância dos interesses dos mais fortes [leia-se, ‘do governo’].
E o que me deixou mais intrigado foi ver praticamente toda a imprensa voltar-se contra Marina, noticiando que a causa da negativa do TSE dava-se devido ao fato do partido não ter alcançado o número mínimo de assinaturas exigido legalmente para a fundação de uma nova agremiação partidária. No entanto, isso não representa a realidade dos fatos. O que houve, na verdade foi uma campanha e uma ação estratégica (vitoriosa, diga-se de passagem) para tentar desarticular a candidatura da Marina. Ação essa que começou com a rejeição de milhares de assinaturas pelos cartórios eleitorais, sem nenhuma explicação plausível, e que culminou no julgamento da última sexta.
Depois do resultado, o grupo da ex-senadora se desentendeu, fragmentou-se e, como em um formigueiro que tem sua “rainha” atingida, ficou meio desorientado. E, ainda que se queira, não é possível dizer que a força continua a mesma.
A surpreendente e inesperada aliança com o PSB, de Eduardo Campos não agradou principalmente porque Marina não deixou claro como será sua participação na chapa. Caso a ex-senadora saia como vice do socialista, ela perderá e muito o apoio dos mais de 20 milhões de eleitores que confiaram em sua proposta para o Brasil na eleição de 2010. Ao contrário do que afirmam alguns, na política não existe essa história de que a Marina é ‘dona’ de 20 milhões de votos. Não é assim que funciona. Pois, mesmo que ela esteja na chapa, os marineiros estarão cientes de que não é ela a candidata, não serão suas propostas que estarão em apreciação. Enfim, não é a Marina e sim o Campos.
E nesta briga toda, quem pode levar a melhor é a presidente Dilma Rousseff, que disputará sem a pedra no sapato que atende pelo mesmo nome (Silva) de seu padrinho, Lula (da Silva). No jogo político, por enquanto está 1 a 0 para Dilma. E se o cenário ora apresentado se confirmar, a tendência é que a política, a justiça, o Brasil, enfim... tudo, continuem do jeitinho que está. Tudo como dantes, no quartel de Abrantes.
* Genisson Santos é jornalista, bacharel em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC e observador da política.
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